"Ela me contou que queria ser atriz de televisão. Na hora pensei que bastaria querer ser atriz: se iria atuar em cinema, teatro ou televisão era questão para avaliar depois, conforme as chances fossem aparecendo. Mas ela frisou: atriz de televisão, e esta afirmação me pareceu frívola, como se o sonho dela fosse ser famosa, e não exatamente atriz. Mas isso não era problema meu. Seguimos conversando e nada de ela me contar dos espetáculos que a marcaram, nenhuma pista sobre as influências ou as motivações que a inclinavam para a dramaturgia. Era apenas uma garota trabalhando numa loja de shopping, aguardando que um olheiro da Globo a descobrisse.
Outro dia passei pela mesma loja e lá estava ela, a balconista com quem certo dia conversei por 10 minutos enquanto esperava um produto ser trazido do depósito. Tive vontade de entrar e perguntar: você ainda está aí? Pois ela ainda estava lá, a milhares de léguas do seu sonho, sem se dar conta de que sonhos nos conduzem à imobilidade.
Em vez de ter um sonho, é preferível ter um objetivo. E, havendo, aproximar-se dele do jeito que der. Se a garota quer ser atriz mas precisa antes arranjar qualquer emprego, então que tente ser balconista de uma videolocadora em vez de uma loja de eletrodomésticos, que batalhe para ser telefonista de uma produtora de comerciais, que vá varrer o chão de um teatro: é preciso acercar-se do mundo que se pretende entrar. Se eu tivesse que ganhar a vida recolhendo lixo, recolheria o lixo de centros culturais, me ofereceria para tirar o pó dos livros, faria faxina em bibliotecas.
O índice de desemprego é alto, mas não dá para ficar paralisada pelas más notícias e deixar de falar sobre o quanto é importante dar uma mãozinha para o destino. Quem deseja ardentemente ser tenista, tem mais chances de consegui-lo trabalhando como gandula do que como escriturário. E pra quem quer um dia administrar um negócio, compensará mais ser escriturário do que cobrador de ônibus. É bom estar sempre por perto das nossas ambições, mantendo-se numa área em que as oportunidades possam nos alcançar. O ideal, lógico, é estudar e fazer cursos profissionalizantes, mas nem sempre podemos pagar o preço dos nossos ideais, então fica combinado assim: quem quer um dia ser estilista que vá pregar botão, quem quer ser o melhor cabeleireiro da cidade que não tenha vergonha de começar afiando tesouras para os outros. Ronde. Observe. Estagie. Fique de plantão na porta da festa: as chances de ser convidado a entrar serão maiores do que as chances daqueles que estão fazendo outra coisa longe dali."
Martha Medeiros, só podia.
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